quinta-feira, 21 de agosto de 2008

A vida imita a arte


Se você possui um nível cultural elevado como o meu, com certeza já deve ter assistido à tetralogia do Máquina Mortífera. Não sei exatamente em qual dos filmes existe uma cena em que o Mel Gibson começa a mostrar suas cicatrizes de bala para a Rene Russo, que passa a competir com ele na mesma moeda. Rola aquele famoso clima de tensão sexual enquanto os dois vão levantando as roupas e despindo partes do corpo só para provar quem possui as piores marcas.

Todos os dias, nos ônibus aqui de Lisboa, cenas parecidas se repetem. Bem menos sensuais, é bom que se diga. Saem o Mel Gibson e a Rene Russo e entram as doravantes denominadas Velhinha 1 e Velhinha 2.

A competição, claro, não é entre cicatrizes de balas, pois não estamos no Rio de Janeiro. O que rola aqui é um duelo para ver quem tem as piores doenças e, consequentemente, menor tempo de vida. É uma espécie de game da terceira idade, onde os pontos são proporcionais às debilidades.

Tudo começa com a Velhinha 1 dizendo, enquanto levanta a saia: “Já te mostrei a brotoeja que apareceu na minha perna?”. No que a Velhinha 2 responde, cerrando os olhos: “Com a minha catarata você acha que eu vejo alguma coisa?”. A Velhinha 1, sem perder terreno, insiste: “Se o derrame não tivesse paralisado minha perna, eu até erguia pra você ver”. E a velhinha 2 completa: “Pior é que eu nem posso abaixar por causa do meu bico-de-papagaio”. A competição continua, com reumatismo pra cá, pressão alta pra lá, um verdadeiro duelo de titãs, onde nenhuma quer ficar pra trás.

Agora, o pior mesmo é quando uma delas invoca o Alzheimer. Depois de 10 paradas, quando já não parece mais existir outras doenças no dicionário médico, a primeira velhinha se concentra, suspira e recomeça: “Já te mostrei a brotoeja que apareceu na minha perna?”

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Discurso de vencedor


Acabo de ganhar na Euromilhões. Contenham-se meus familiares, sosseguem seus hormônios mulheres e travestis do meu Brasil varonil. Como já escrevi anteriormente, o prêmio aqui pode chegar a 150 milhões de euros. O que não é grande coisa para proletários como o Daniel Dantas e o Salvatore Cacciola, mas, no meu caso, o suficiente para perpetuar umas 2 ou 3 gerações de vagabundos.

Só que, para ganhar este prêmio, você precisa acertar 5 números e 2 estrelas (não vou explicar o que são estrelas, belê?). Eu acertei 2 números e 1 estrela e fui congratulado com exatos 8 euros e 32 centavos - se eu estivesse com quase 400 milhões de reais no bolso, quem estaria escrevendo este blog seria o Luis Fernando Verissimo e você perceberia a diferença.

Bom, claro que já comecei a fazer planos para a bufunfa e não me faltam opções. Posso encher o tanque da minha Vespa, comer 4,3 pastéis de Belém, tomar 3,2 chopes no Bairro Alto ou pegar um táxi para o aeroporto e fugir daqui.

Mas, pra falar bem a verdade, o prêmio me deixou meio deprimido. Sempre tive medo da sorte. E não é porque se parece com a palavra “morte”, como imaginaria um chinês cagalhão. Eu tenho medo é de torrar minha sorte com bobagens. Vou dar um exemplo: quando era pequeno, meus pais ajudavam bingos beneficentes, fazendo as doações das prendas. Me lembro que uma vez voltei pra casa com 5 prêmios, 4 dos quais doados por eles. Inclusive uma calculadora científica, a mais desejada da noite. Lógico que ainda levei esporro no carro.

E este é exatamente o meu medo. Ter gastado minha sorte em doses homeopáticas, juntando quinquilharias. Eu não quero 20 troféus Maria Quitéria, quero o mundial interclubes. Não quero 8 prêmios colunistas, quero um leão de ouro. Não quero as trigêmeas da Playboy, tá, péssimo exemplo, mas já deu pra entender.

O meu grande medo, a partir de hoje, é conferir o resultado do próximo sorteio. A pior coisa que poderia me acontecer seria acertar os 3 números mais a estrela que faltaram nesta semana. Eu provavelmente passaria o resto da vida fazendo contas na minha velha calculadora científica, pensando como teria sido maravilhoso se minha sorte fosse cumulativa.

domingo, 3 de agosto de 2008

Leitura dinâmica


Ler em português daqui é uma experiência esquisita. Me dei conta disso logo na minha primeira semana, ao comprar um livro do Paul Auster, um dos meus autores preferidos. Não consegui chegar nem na metade. Até dava pra perceber o Paul Auster ali, mas ele falava parecido com aqueles personagens de novela de época da Globo. Não rola.

Desde então passei a comprar livros de autores brasileiros, obviamente sem tradução. Pra minha sorte, aqui perto de casa tem uma livraria gigante, com uma prateleira dedicada exclusivamante à literatura brasileira. Como não são baratos, comecei a adotar o hábito de ler várias páginas na livraria, para ter certeza de que valia a compra. Cheguei a passar meia hora lendo um livro. Curti, trouxe-o pra casa e acabei de ler em menos de 1 hora. Me senti lesado. E foi aí começou o meu problema. Voltei na semana seguinte e, de lá pra cá, já foram 2 livros lidos completamente dentro da livraria.

Sei que eu deveria me sentir mal, mas tudo é questão de ponto de vista. Pensei nas árvores que tiveram que cair para que o livro fosse publicado, no petróleo utilizado para transportá-lo até aqui, no tempo de decomposição da capa plastificada e demais desdobramentos. Como diz o Capitão Nascimento, quem consome é que financia esta merda. E não dá pra negar que, no caso dos livros, ler sem comprar é bem mais eficiente que fumar e não tragar.

Claro que tem o lance os direitos autorais, que eu acho mais do que justo. Por isso, munido de alta sensibilidade ética, só recomendo fazer isso com autores que já morreram. Daí o peso na consciência é zero. Em tempos do ecologicamente correto, nada como ser um filho da puta sustentável.

Comunicado Importante


Das 8 pessoas que lêem este blog, um percentual altíssimo já reclamou: “Pô, você só mete o pau em Portugal!”. Acho que vale um esclarecimento, sempre em nome da minha pequena e infiel audiência. Sou redator publicitário. Isso significa que me pagam pra falar bem de tudo, como facas que cortam sapatos e meias que não desfiam com arranhões de gato. Aliás, a tendência é sempre para o exagero: um banco que não quer o seu dinheiro, apenas o bem do planeta. Produtos de beleza que valorizam você e salvam índios na Amazônia. Até musiquinha insuportável pra vender margarina eu já fiz. Então, se você quer que eu fale bem daqui, pode anotar: banco 237, Ag. 1221, c.c. 21834-7. Me manda o comprovante de depósito que eu escrevo o que você quiser. Falo bem de taxista, digo que o inverno daqui é uma delícia, provo até que pastel de Belém emagrece. Numa tranquila, numa relax, numa boa. Afinal, se eu tivesse um pingo de caráter, teria procurado outra profissão e hoje seria advogado dos Nardoni.